Resgatando a Selvageria da Bruxaria (olhar de bruxa)
Nossa
bruxaria, ou melhor, nós mesmos, devemos nos tornar mais selvagens, mais
instintivos, compreendendo melhor a amoralidade da natureza e a morte
inevitável para que façamos alguma diferença neste mundo. Se quisermos
preservar o que ainda nos resta da terra e sobrevivermos enquanto espécie é
necessário que voltemos a ser selvagens. Devemos perder nossa fé, religião,
construções e todos os detalhes que somente são importantes à civilização.
Muitas bruxas hoje, em sua ânsia de não causar mal a alguém se tornaram inofensivas.
Devemos nos tornar um tipo diferente de bruxa. Alguém que não precisa de definições,
limites ou expectativas - algo primal, indomável, livre.
Vejo muitas bruxas e bruxos virtuais engajados em várias causas ambientais, sociais e políticas que nunca levantaram a bunda da cadeira para colocar a mão na massa, para ir à luta. Estes são como hippies vestindo algodão invadindo uma feira orgânica com a melhor das intenções, mas cuja ingenuidade é tamanha que não conseguem ver que isso não fará absolutamente nenhuma diferença sobre o meio ambiente e o declínio da civilização.
O que nós precisamos é de conhecimento local, engajamento local, medicina local, bruxaria local. Nunca antes na história da humanidade existiu uma bruxa não praticante. E se você não tem praticado, acha mesmo que os espíritos que habitam sua região se preocuparão com você e sua família? Qual foi a última vez que você falou com eles ou deixou-lhes uma oferenda? Você conhece seus nomes, poderes e locais sagrados? Não? Bom, então eles vão continuar habitando suas árvores mesmo quando estas crescerem sobre nossa cova coletiva e não chorarão por nós. Afinal, não foram os nossos antepassados e nós mesmos que derrubamos suas florestas, poluímos seus rios e oceanos? Por que algum espírito iria nos ensinar sua magia e medicina? Não mesmo! Para tal seria necessário um trabalho árduo, apenas para chamar-lhes a atenção, e anos para que estes pudessem confiar em nós novamente.
Entretanto,
o que os antigos magos, bruxas, xamãs e feiticeiros fizeram para obter os
favores dos espíritos? Eles, literalmente, foram a loucura. Saíram em busca de
uma vivência selvagem, sozinhos, sem conforto ou companhia. Tiveram que
aprender a caçar, cultivar, fazer vestimentas somente com aquilo que a natureza
providenciava. Criar ferramentas, seguir a migração dos animais, saber predizer
o tempo e as mudanças das estações. Tornaram-se tão selvagens que sua fala,
modos e padrões morais foram esquecidos. Quando estes indivíduos voltavam para
a civilização, entre cinco a dez anos depois, eles estavam irreconhecíveis:
bestiais, perigosos, loucos. E indispensáveis para a sobrevivência daquele
povo.
Mas
qual é, afinal, o antigo propósito de uma bruxa ou xamã? É simples: ser um
intermediário entre o mundo dos espíritos e dos homens, uma encruzilhada, traduzir,
negociar, salvar e guerrear se preciso for. Para resgatarmos a selvageria da
bruxaria é preciso reaprender essa lição. Temos que ser hábeis novamente na
comunicação com os espíritos da natureza, animais, insetos, plantas, águas, florestas,
montanhas, planícies, desertos e, também, com a morte.
E
para podermos comunicar com os espíritos devemos nos tornar espirituais,
devemos viver com eles, devemos conversar com eles mesmo que não hajam
respostas. Onde quer que vivamos, devemos nos permitir ser imersos no solo
local, sermos absorvidos pelo Anima Loci até que seus segredos e sabedoria
sejam divididos conosco. Devemos nos tornar as bruxas da vila, xamãs que
conversam como os espíritos que ali habitam.
Será preciso beber do orvalho da primavera, comer do doce fruto proibido, sugar todo o sabor das raízes, mastigar as folhas amargas, assar os cogumelos numa noite faminta e solitária sob o manto das estrelas. Alimentar-se assim até que sua pele fique verde e coberta de folhas e musgos, seu sangue tornar-se seiva, sair flores de sua boca, brotar raízes das solas de seus pés.
Será preciso beber do orvalho da primavera, comer do doce fruto proibido, sugar todo o sabor das raízes, mastigar as folhas amargas, assar os cogumelos numa noite faminta e solitária sob o manto das estrelas. Alimentar-se assim até que sua pele fique verde e coberta de folhas e musgos, seu sangue tornar-se seiva, sair flores de sua boca, brotar raízes das solas de seus pés.
Você é o que você come e você comeu o que é selvagem. Metamorfosei-se nele!
Morgan Lyra
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